quinta-feira, 27 de maio de 2010

Pequenos passos (em frente)

Noite que fica para lá da manhã
e morre o herói de uma esperança vã
Se o espelho não dá mais que desilusão,
rapaz, tira os pés do chão

Vou dando passos pequenos,
à procura de ser maior
E faço de hoje o dia,
fecho os caminhos que já sei de cor

Dá-lhe tudo o que tens para dar,
dá rumo certo, promessas de tentar
E não olhes para trás...
Deixa-te levar, será melhor onde quer que vás

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Contratempo

Vi-te e quis sonhar com anjos. Tomara que a tua vida não fosse já quinze minutos adiantada. Sentei-me contigo nos ponteiros, acreditando num carrosel que anda para trás e parámos o tempo de mãos dadas. Por um minuto caminhámos vendados, sem querer ter para onde fugir. Não teria bastado a ilusão? Agora levo-te pelos minutos, olhando por ti. Fica apenas o medo de que, quando a hora virar, não estejas mais aqui.

sábado, 15 de maio de 2010

Destino

Vou-me agarrando ao tempo em que não sabia cair.
Mas o dia avança sem que o que foi pareça querer voltar e a sombra que me ficou não me é querida. Destrói-me. Faz de mim reboliço e guerra constante. Ao destino? A quem dá e tira, a quem te trouxe a meu olhar, a quem fez teus cabelos passar por minhas mãos. Anseio, desejo, espero. Estás tão perto e ainda assim um mundo para atravessar. Chegarei, porque não sei não querer de ti. Chegarei.

domingo, 9 de maio de 2010

Segredo

E depois do adeus, será que me vês?
Um beijo não é apenas um beijo, sei-o. Mas foges da palavra honesta que é uma jura de amor. Viras costas ao dia em que um abraço foi dedicação e procuras certezas. Fazes o teu caminho sem que possa desejar que olhes para trás. Porque sou as tuas asas. Sou a pedra das escadas do pedestal que te fiz. Vejo-te. Desenho-te, perfeita, porque é do coração. Mas desfaço e recomeço. Porque te vejo. Desta vez, um traço imperfeito, inquieto mas cheio de vida. Um sorriso que me arrebata e fico feliz. Da tua imperfeição, guardo pedaços. Fazem ferida mas não os solto. Junto-os e tenho um espelho. Gosto do que vejo. Por isso, no fim, mesmo que não me vejas, eu estarei aqui.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Comboio/Viagem: Parte Segunda

Reparei que havia sol. Banhava o telhado de xisto negro da estação, em conta suficiente para que sobrasse e me abraçasse também. Deitei as mãos à face, quente, e apercebi-me só naquele momento de que trazia uma barba de dias. Depois da aspereza do rosto, passei demoradamente os dedos pelo rebordo de um vaso de vidro que, ali perto, era grande demais para as flores que trazia. Ou talvez apenas se tivesse mantido demasiado gracioso enquanto o tempo lhe murchava a companhia. Delicado, frágil, transparente. Templo para mãos, as minhas, que há muito não tocavam, há muito não sentiam. Alguns passos e fui feliz, porque as malas de retalhos dividi-as por dois e pareceram-me mais leves. A mim, que da vida trazia tantas alças para partilhar. Soube que daquela estação seria capaz de viajar para capitais.

Hoje estou de partida e reparo que o relógio da estação, que estivera parado, fora acertado e corria agora para as primeiras horas de um novo dia. O céu, de negrume, pareceu-me mais encoberto do que quando cheguei e, ainda longe, uma luz e rodas riscando carris, riscando a noite. Com frio, aperto os primeiros botões do casaco e meto as mãos aos bolsos. Ainda perto, o meu vaso de vidro. Desejei que, depois de partir, chovesse. Talvez lhe trouxesse flores.

domingo, 2 de maio de 2010

Comboio/Viagem: Parte Primeira

Sei que vinha adormecido, de braços cruzados e nariz para o ar. De onde vinha, já não sei o nome, trazia bagagem. Malas grandes, que um dia foram bonitas e todos quiseram ver. Mas já não eram mais do que farrapos remendados, ocupando dois lugares. Á sua frente seguia um homem que era velho, no último lugar de uma carruagem que há muito tinha chegado ao fim da linha e trocado de sentido. Os vidros, estalados, já mal retinham o calor. Iam embaciados e escondiam uma paisagem de terra queimada e silenciosa, há muito orfã do canto de aves abaladas para outras paragens. As estações passavam e ia entrando gente estranha que parecia não saber encontrar lugar sentado num comboio vazio. À perspectiva de descer, um encolher de ombros desencantado e um recostar de cabeça para voltar a dormir: as malas velhas iam pesadas.

Quando pus os pés no chão, ainda agarrava o puxador da porta da carruagem, por medo de já não saber andar. Por medo de não ser capaz de suportar a ausência do conforto retalhado do metal escuro e sujo da velha máquina, quis por força obrigar o comboio a ficar. Mas ele partiu dando certezas de não voltar. Ele, que havia sido a sombra fiel de um viajante cansado.