domingo, 2 de maio de 2010

Comboio/Viagem: Parte Primeira

Sei que vinha adormecido, de braços cruzados e nariz para o ar. De onde vinha, já não sei o nome, trazia bagagem. Malas grandes, que um dia foram bonitas e todos quiseram ver. Mas já não eram mais do que farrapos remendados, ocupando dois lugares. Á sua frente seguia um homem que era velho, no último lugar de uma carruagem que há muito tinha chegado ao fim da linha e trocado de sentido. Os vidros, estalados, já mal retinham o calor. Iam embaciados e escondiam uma paisagem de terra queimada e silenciosa, há muito orfã do canto de aves abaladas para outras paragens. As estações passavam e ia entrando gente estranha que parecia não saber encontrar lugar sentado num comboio vazio. À perspectiva de descer, um encolher de ombros desencantado e um recostar de cabeça para voltar a dormir: as malas velhas iam pesadas.

Quando pus os pés no chão, ainda agarrava o puxador da porta da carruagem, por medo de já não saber andar. Por medo de não ser capaz de suportar a ausência do conforto retalhado do metal escuro e sujo da velha máquina, quis por força obrigar o comboio a ficar. Mas ele partiu dando certezas de não voltar. Ele, que havia sido a sombra fiel de um viajante cansado.

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